quinta-feira, outubro 02, 1997

SKETCH 2: O MANIQUEÍSTA

CENA 1: INT / ESTÚDIO

APRESENTADOR
Boa noite. O meu convidado de hoje é António Tavares, treinador do Desportivo de Sernancelhe. Senhor Tavares...

TAVARES
Mister.

APRESENTADOR
Perdão. Mister Tavares, o que diz do jogo de ontem?

TAVARES
Perdemos.

APRESENTADOR
Sim, mas o que é que acha que aconteceu concretamente?

TAVARES
Bom, eu utilizei uma táctica que pensava ser infalível. Infelizmente as coisas não correram bem e perdemos o jogo.

APRESENTADOR
Pelas suas palavras, o que está a dizer é que foram os piores em campo?

TAVARES
Sim. Penso que é que isso que estou a dizer.

APRESENTADOR
Então, nesse caso, os outros foram os melhores?

TAVARES
Não necessariamente.

APRESENTADOR
Como não? Se vocês foram maus, é óbvio que eles foram bons.

TAVARES
É a última vez que venho ao seu programa!

APRESENTADOR
Pronto. Já cá faltava...

TAVARES
Raio do homem que é a sempre a mesma coisa! Já da outra vez foi o mesmo!

APRESENTADOR
Está-se a referir àquela história do “é homem ou é mulher”, suponho. Em que é que ficamos, então? É homem?

TAVARES
Não.

APRESENTADOR
Então é mulher?

TAVARES
Sabe o que você é? É um maniqueísta. Você, com esse seu criticismo, quer estabelecer um indiscutível fundamentalismo epistemológico, abrindo para uma concepção da razão dessubstancializada. Pois fique sabendo que “o intelecto, como meio para a conservação do indivíduo, desenvolve as suas forças dominantes na dissimulação, pois este é o meio graças ao qual os indivíduos mais frios, os menos robustos, se conservam e aos quais está vedado lutar pela existência com o auxílio de chifres ou de dentes afiados das penas.

APRESENTADOR
Manuel Maria Carrilho e depois Nietzsche. Agora é filósofo?

TAVARES
Não.

APRESENTADOR
Está-me a dizer que não é filósofo.

TAVARES
Não foi isso que eu disse.

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