quarta-feira, março 06, 1996

SOBRE VIOLÊNCIA GRATUITA, POLÍCIAS E AFINS (UM POUCO EXTENSO)

A nossa vida está reduzida a isto: um gajo levanta-se de manhã pra ir trabalhar, tá um dia de merda, o trabalho também é uma merda, os colegas são uma merda, o chefe é outra merda, tem-se uma merda de horário, uma merda de salário (quando se recebe), o comer no refeitório – um gajo nem tem dinheiro para uma refeição de merda num restaurante de merda – é uma merda intragável. Depois, um gajo sai tarde porque fica a acabar a merda de um relatório; quando finalmente sai, o trânsito tá uma merda. Ainda pior do que tinha sido de manhã. Para-se numa tasca de merda para beber a merda dum bagaço e quando se chega a casa, a primeira coisa que aparece à frente é a merda da esposa a perguntar como é que correu o dia.
Depois dizem que há muita violência doméstica. Não há. Há é pouca violência pública.
Se houvesse mais pessoal à porrada em cada esquina, já ninguém faria tanto alarido porque o marido da dona Gertrudes deu-lhe um soco no nariz porque a apanhou na cama com o patrão. O salário é uma merda, mas calma lá!
Infelizmente, temos a polícia que não só não deixa o pessoal andar à porrada na rua, como ainda por cima leva o pessoal para a esquadra, dá-lhes umas arreadas valentes e não deixa ninguém ver.
Isto são os polícias maus, mas há também os bons.
Os polícias bons são aqueles que são educados, ajudam as pessoas. São aqueles que quando chegam a um banco que está a ser assaltado e vêem um gajo sair a correr lá de dentro com uma meia na cabeça, em vez de ficarem parados, vão atrás do gajo.
A primeira regra numa situação de assalto com possíveis reféns é tentar saber como é que a situação está lá dentro. E para isso nada melhor que perguntar ao gajo que saiu de lá – ele acabou de sair de lá, deve saber – em vez de espreitar pela janela e levar um tiro nos cornos.
O problema tá no gajo da meia que não quer parar. Dá até a impressão que está a fugir de qualquer coisa. Talvez tenha vergonha. Compreende-se.
Um gajo daquela idade, andar pela rua com uma meia na cabeça sem ser no Carnaval, deve ser mesmo muito feio.
Mas o polícia bom está sempre preparado para tudo e não desiste. É um lutador, é um atleta.
Infelizmente (ou felizmente) o policiamento não é visto como um desporto a sério. Por muito bom que um polícia seja, nunca ouvimos falar de transferências milionárias de sargentos duma esquadra para outra.
Quando um novo comandante da GNR assume funções numa determinada esquadra, não o vemos convocar um conferência de imprensa para dizer:
"Estou muito contente por estar aqui e prometo fazer o meu melhor para evitar que esta esquadra desça de divisão."

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