quarta-feira, março 13, 1996

SOLIDARIEDADE

Deu na televisão, há uns tempos atrás, uma campanha da Fundação Portuguesa de Cardiologia, ou Associação não sei. Aquilo eram vários anúncios em que tínhamos uma série de pessoas, provavelmente com problemas cardíacos, que pediam conselhos a um médico que ia de passagem.
E o médico, sempre simpático, só dizia:
“Ponham-se a andar! Vão dar uma volta!”
Não sei porquê, mas pra mim, não é este tipo de coisas que ajuda a melhorar a imagem dos médicos. Só faltava ele dizer:
“Eh pá! Vão à merda! Desamparem-me a loja, foda-se!”
Queria ver se houvesse alguma daquelas linhas de apoio ao suicídio, apoio a pessoas suicidas melhor dizendo, que fizesse o mesmo. Isto também não faz sentido. Se eles querem suicidar-se, ao darem-lhes apoio, não estão a ajudá-los a suicidar-se? Nunca consegui perceber bem.
Mas, dizia eu, se essas linhas fizessem o mesmo, como é que seria?
As pessoas ligavam pra lá, todas deprimidas.
“Ai morreu-me o filho e o irmão e o cão e ninguém gosta de mim.”
E do outro lado.
“Ó amigo, vá-se matar. Não me chateie.”
Outra coisa, quase que me ia esquecendo disto. Essas linhas, há algumas que se chamam, ou são chamadas, linhas de apoio a vítimas de suicídio. Como é que é isso? Uma vítima de suicídio, o próprio nome o diz, está morta. Só se o apoio que eles dão for a nível do arranjo fúnebre. Só se for isso.
E depois queixam-se.
“As pessoas não nos ligam. Parece que têm medo de falar.”
Pudera! Talvez se não estivessem mortas...
Agora a sério.
Se me vêm dizer que não é bem assim, se vêm com aquela conversa do “o que nós fazemos é ajudar as pessoas com tendências suicidas a ver as coisas boas da vida.”
Isso não é ajudar. Isso pra mim chama-se ‘fazer inveja’. É a mesma coisa que chegarem-se ao pé de mim e dizer:
“Ai! Tou tão sozinho, ninguém quer saber de mim, ando a viver na rua.”
Era logo:
“Agora não posso falar. Vou buscar a minha namorada pra passarmos o fim-de-semana na nossa casa nas Caraíbas.”
Como é que acham que ele iria reagir?

Sem comentários: